Por uma avaliação qualitativa e humanista da educação básica
José Ruy Lozano
Sociólogo, autor de livros didáticos e conselheiro do CORE (Comunidade Reinventando a Educação)
A instituição e divulgação de rankings na área da educação, em diferentes escalas, introduziu
ao debate público indicadores pretensamente objetivos para a avaliação de políticas e
sistemas educacionais, ou mesmo de escolas e universidades individualmente.
O exame dos dados contidos nos rankings, que vão do PISA, em nível global, até o Enem,
em escala local, afeta a decisão de diversos agentes. Desde governos, que se veem na
contingência de discutir e adotar ações para melhorar as notas de seus países, até famílias,
que a cada final de ano refletem sobre a escolha da escola para seus filhos.
É preciso colocar em perspectiva, no entanto, o que essas avaliações efetivamente medem,
bem como as distorções que introduzem nas práticas pedagógicas.
Imaginemos a seguinte situação: o Ministério da Saúde resolve criar indicadores das taxas de
sucesso nos procedimentos cirúrgicos de todos os hospitais brasileiros, fazendo um ranking
hospitalar. A princípio, poderia parecer boa ideia: a sociedade receberia informação
relevante sobre as condições e a competência dos médicos de cada unidade de saúde.
Para ganhar posições no ranking, no entanto, os hospitais particulares começam a recusar
alguns casos mais graves e urgentes, que envolvem cirurgias de alto risco, alegando
indisponibilidade de vagas ou o não atendimento a determinadas especialidades.
A instituição nada imaginária de rankings de escolas com base nos resultados do Enem tem
efeito parecido em muitos colégios do Brasil. Afinal, para quem não é do ramo, esse é o
único indicador da qualidade das escolas.
Se a percepção pública se deixa guiar dessa forma, então é preciso selecionar “bons alunos”.
Paulatinamente, ao longo de todo o Ensino Fundamental e Médio, escolas que ambicionam
ranqueamento positivo vão retirando de seu corpo discente aqueles que têm maior
dificuldade em aprender conteúdos acadêmicos formais.
Educação inclusiva, trabalho com múltiplas inteligências, acolhimento aos que tem
distúrbios cognitivos? Nem pensar. Formação em competências socioemocionais para
superar situações de indisciplina e criar comportamentos mais produtivos? Dá trabalho e o
resultado é incerto. Também não é possível medir qualidade na educação básica mensurando
apenas resultados em testes de múltipla escolha sobre conteúdos enciclopédicos. Ética nas
relações pessoais, resiliência, criatividade, comunicação oral, capacidade de trabalhar em
equipe, de liderar, empreender e resolver problemas práticos, habilidades artísticas e destreza
motora são marginalizados nesse contexto. Nada disso é mensurado no PISA, por exemplo.
Para que formar educadores que saibam despertar a curiosidade para o mundo e trabalhar de
fato habilidades e competências para além da prova? Gerações de professores foram
modeladas – ou adestradas – em treinar alunos para a resolução de testes, e nada mais.
A avaliação de uma escola ou de um sistema de ensino deve considerar, além do
desempenho em provas objetivas, a importância e o peso do trabalho com valores,
competências e habilidades diversas em seu projeto pedagógico. A formação e a titulação de
seus professores, o salário que lhes é pago, a qualidade de suas estruturas são outros
elementos fundamentais.
Somente uma avaliação qualitativa dessa natureza poderá superar o ranqueamento
unidimensional e limitador.